domingo, 28 de maio de 2017

IV

A Universidade de Saint Jordan era uma referência em na área de artes. Cursos de Artes plásticas, Artes cênicas e música eram de ponta e extremamente concorridos. Diversos nomes conhecidos mundialmente já passaram por lá e, de maneira geral, todos os que caminhavam pelos corredores e bosques da universidade nos dias atuais, almejavam um futuro semelhante. A paixão de Chris e o seu talento já era de conhecimento de muitos. Isso fazia com que ele se tornasse um aluno querido por diversos tutores, inclusive a senhora Elizabeth Crown, uma Doutora em Arte plásticas. Beth, era uma senhora entre 60 e 70 anos de idade, muita conhecida na universidade por lecionar várias disciplinas nos cursos de artes. Possui estatura baixa, cabelos curtos e grisalhos. Embora com a pele e aparência bem cuidadas para idade, se orgulhava de sua experiência de vida. No período em que Chris se encontrava, ela ministrava a disciplina Teoria e Crítica da Arte Contemporânea, e tinha o jovem como um de seus alunos favoritos.
Naquela manhã, discutiam em sala crítica institucional e arte contemporânea. Dr. Beth gostava de iniciar suas aulas climatizando as suas turmas a respeito do tema, trazendo pequenas cenas da vida real do profissional e então abrindo para discussões, sempre fervorosas. Não foi diferente dessa vez, com a participação de muitos alunos. Peter, como sempre, fazia questionamentos inteligentes e muitas vezes gerava ganchos de discussão que faziam com que embates surgissem, principalmente com Chris. Essa troca constante de ideias e muitas vezes de pontos de vista diferenciados era talvez um dos principais combustíveis para a amizade entre os dois. Se Chris planejava se tornar um grande artista, com quadros cobiçados internacionalmente, Peter tinha um interesse em trabalhar com a economia das artes, rotulando grandes obras como grandes fortunas e outras como fracasso total – e o rapaz tinha competência para tal, possuindo um inegável conhecimento de referências históricas de arte e estilos, tanto para quadros e painéis quanto para modelagem. É claro, a amizade deles não era apenas embasada em discussões, uma boa cerveja aos finais de semana também gerava embates mais amenos e muitas risadas.
A manhã passara tão agradável para Chris que ele por alguns momentos chegou a se esquecer das estranhezas que cercaram recentemente. Durante a tarde, alguns amigos se reuniram em um tempo vago para conversar, pois já estavam em clima de ir final de aula (apenas mais dois tempos naquele dia os separavam do caminho de casa), mas ele preferiu se isolar em um bosque da universidade com sua prancheta e material, para refletir em uma folha um pouco do que sua mente guardara. Os traços cortavam o papel como o vento matutino corta folhas de um campo: pequenas pinceladas que assobiam, mas pela ausência de quem as ouça, fazem silêncio. Pretos, tons de marrom, tons mais pálidos.... Aos poucos a forma do homem que surgira naquele ponto de ônibus ia se construindo. Claro, tendo em vista o tempo e o improviso, eram apenas rabiscos e rascunhos. O jovem se concentrava com tamanho empenho, que parecia estar trancado em silêncio no seu quarto. Distraído, se assustou ao ouvir o sino da universidade indicando o fim da última aula daquela tarde. Sem perceber, ficou quase três horas no bosque, isolado. Ao voltar para o mundo real, percebeu o fim de tarde e que outras pessoas estavam ao redor dele no bosque, distraídas em seus próprios quartos imaginários.
Seguindo o caminho até o ponto de ônibus, novamente Chris cruzou com seu amigo Peter.
-Chris, o que houve? O dormiu demais? É bom lavar essa cara antes que alguma menina te veja assim! -Brincou Peter
-Eu me distraí pintando, idiota. Você poderia ter me chamado, sabia que eu estava no bosque. -Retrucou Chris.
-Cara, eu não sei do que você está falando. Mas com certeza no bosque você não estava, porque eu e a Nicole passamos por lá te procurando e não te vimos. Pode parar de caô, a gente sabe que você deu um perdido com alguma garota!

Chris riu da brincadeira e corou levemente o rosto. Porém ele não havia saído do bosque, estava lá o tempo inteiro. Provavelmente Peter não o viu no meio de outros tantos alunos que estavam lá. O clima do bosque, às vezes, é um pouco incômodo para Chris. Quando chegara nesta tarde para se distrair, o local estava vazio e aconchegante. Mas no geral, é um refúgio para diversos casais. Chegar ao local nessas condições incomodava um pouco pela timidez do rapaz. E, embora Peter fosse muito mais extrovertido, Chris achou que talvez o amigo tivesse procurado em um desses momentos (embora ele não tenha reparado enquanto estava em seu “quarto”), não estando à vontade para permanecer no local. Ou talvez tivesse permanecido ocupado demais.
-Talvez a Nicole tenha ocupado a visão dele. -Pensou Chris, segurando o riso para não se expor aos amigos.
Os três caminharam rumo ao ponto de ônibus. Quando se sentaram, a pasta do rapaz abriu e deixou cair a prancheta com o que havia desenhado durante a tarde. Rapidamente o jovem tentou recuperar os desenhos, mas os olhos dos amigos foram mais velozes.

-Eita, do que se trata? Você realmente ficou a tarde toda pintando desenhos? – Questionou Peter. – Que desperdício de falta, Chris.
-Sim. Eu disse que estava no bosque.

Nicole pediu o desenho, estava mais interessada que Peter. Logo após observar, ela pegou o celular e abriu um aplicativo de stream de vídeos, procurando algo. Peter e Chris se entreolharam, e o jovem pintor já imaginava o que aconteceria, tentando puxar o desenho novamente.
-Chris! Esse seu desenho é muito parecido com um rapaz que descreveram num crime próximo de onde você mora! Por acaso você o viu ou esse desenho é da sua imaginação?

Tudo que acontecera naquele dia, havia ficado apenas na memória de Chris. Ele não tinha o interesse de compartilhar o acontecido, até porque ele podia estar inventando ou aumentando coisas que o desespero não o permitir perceber. E, afinal, motoristas de ônibus mal-educados aparecem todos os dias por aí. Logo não havia nada demais para ser dito.
-É verdade, vocês me pegaram. Dessa vez sou culpado, não foi minha criatividade. Mas ouvi a notícia no rádio quando vinha para a faculdade essa manhã, e descreveram o criminoso. Aí fiquei com isso na cabeça, ele parecia ter um visual sorrateiro. Acho que nunca pintei algo assim...-tentou inventar uma história na hora e se mostrar seguro de sua versão.
Nicole e Peter se entreolharam e não deixaram claro se haviam acreditar ou não. Mas aparentemente não havia motivo para questionar a versão de Chris.
-Bem, caso você seja um fiasco como pintor, pode fazer retrato falado na polícia. De fome você não morre, amigo. -Debochou Peter como uma risada escandalosa, porém amigável.


Chris ficou sem graça, mas achou que essa era a melhor versão dos fatos. 

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